“A economia sustentável não é apenas um compromisso com o futuro, mas uma necessidade presente para garantir a preservação dos recursos naturais e o bem-estar das próximas gerações. Investir em práticas sustentáveis é investir em um futuro onde economia e ecologia caminham juntas.”
Bioeconomia refere-se ao conjunto de atividades econômicas de fomento à produção, distribuição e consumo de bens e serviços provenientes de recursos da sociobiodiversidade. Considerando-se a escala tecnológica aplicada durante esses processos, bem como os ecossistemas em que esses recursos são manejados e todos os agentes econômicos envolvidos e suas organizações e instituições. Na perspectiva local, a Bioeconomia Amazônica aqui abordada conceitualmente diz respeito a estruturas de mercado pautadas em produtos e processos que partem de quatro princípios norteadores:
- Conservação da biodiversidade;
- Ciência e tecnologia voltadas ao uso sustentável da sociobiodiversidade;
- Diminuição das desigualdades sociais e territoriais; e
- Expansão das áreas florestadas biodiversas e sustentáveis.
As bases da Bioeconomia na Amazônia encontram-se diretamente ligadas aos recursos nativos da fauna, flora e microrganismos do bioma Amazônico como, por exemplo, o pirarucu, a seringueira, o cacau, a mandioca, o açaí, a castanha-da Amazônia, o abacaxi, o cupuaçu dentre outros. Todavia, também são considerados como recursos da Bioeconomia Amazônica aqueles que não são recursos nativos, mas estão há tanto tempo inseridos na cultura local que acabaram sendo incorporados à esta, como a manga, a banana, o milho dentre tantos outros.
Verifica-se que esse conceito é compatível com o que preconiza a Matriz Econômica-Ambiental do Acre cujo foco converge principalmente para as cadeias de valor na produção pesqueira; fruticultura; produção florestal, madeireira e não madeireira; produção de fito cosméticos; produção de fármacos e química fina; turismo entre outras; possibilitando a interiorização do desenvolvimento tecnológico e produtivo, além de atingir os grupos sociais alotados nos mais diversos níveis das cadeias produtivas. Entende-se que na Amazônia, dada a complexidade da bioeconomia e seus mercados imperfeitos, é mais adequado se pensar em redes de conhecimento produtivo do que em cadeias produtivas propriamente ditas.
As redes de conhecimento produtivo na Amazônia são fundamentais para se entender o estado da arte das estruturas de mercado da bioeconomia e construir mecanismos colaborativos que fortaleçam os princípios norteadores da bioeconomia amazônica citados anteriormente. E para uma melhor compreensão do funcionamento destas redes de conhecimento produtivo no Acre, ou até mesmo na Amazônia de maneira geral, recomenda-se que sua análise seja feita individualmente por rede e território.
Entende-se que cada território estabelece formas específicas de articulação de mercado e de produtos da Bioeconomia. Além disso, reconhece-se que os problemas e vantagens de uma rede de conhecimento produtivo não necessariamente correspondem aos de outra. Embora redes que operem nos mesmos territórios possam apresentar características, recursos, atores e produtos em comum, esse fato deve ser considerado mais uma exceção do que uma regra. É possível classificar a Bioeconomia na Amazônia em três setores:
- Sociobiodiversidade;
- Base Florestal; e
- Commodities.
Cada um desses setores corresponde a um determinado arranjo de rede que necessita de entendimentos, investimentos, e formas de fortalecimento diferenciadas, onde cada um tem a sua escala, seus modos de funcionamento e sua conformação territorial.
O desafio da construção de políticas públicas; neste âmbito é justamente conseguir distinguir cada setor por sua especificidade e ao mesmo tempo criar sinergias entre ela.
Na Bioeconomia da Sociobiodiversidade, a matéria-prima provém da coleta, extrativismo e do cultivo no âmbito da agricultura familiar tradicional, correspondendo à uma alta dependência dos recursos da biodiversidade e dos serviços ecossistêmicos, como a regeneração natural e a irrigação pela chuva.
Esse setor apresenta baixo nível de impactos ambientais negativos e elevado grau de conservação das áreas exploradas, o que implica em altos níveis de preservação ambiental. São sistemas sócio ecológicos mantidos em equilíbrio dinâmico (i.e., abaixo ou muito próximos à capacidade suporte do ambiente) e perfeitamente adaptados ao modo de vida das populações produtoras. Se destaca pela aplicação dos saberes tradicionais e, no âmbito econômico, pela predominância do modo de produção familiar, em unidades numerosas e bem distribuídas na região formando, às vezes, organizações coletivas na forma de associações e cooperativas, com produções diversificadas e em pequena escala.
Nesta escala estão inclusas as populações indígenas e demais povos tradicionais da floresta, implicando em um ritmo de ordenamento de mercado e formas de investimento produtivo que devem respeitar os padrões sociais e modos de vida. Neste setor, as redes de conhecimento produtivo estabelecidas nos conhecimentos tradicionais devem passar por um desenvolvimento que leve em consideração a repartição de benefícios e demais legislações pertinentes a proteção do conhecimento. Deve-se inovar nas estruturas de mercado visando uma escala não-disruptiva dos modos e culturas tradicionais.
Na Bioeconomia de Base Florestal, a exploração dos recursos se dá a partir do manejo intensivo de determinadas espécies. Neste setor, tem-se um avanço da produção, com o emprego de planejamento e técnicas de manejo e de tecnologias que visam a intensificação da produção, o que pode incluir o cultivo intensivo de espécies de maior valor na cadeia correspondente.
O foco deste setor é, principalmente, um melhor aproveitamento de áreas degradadas para fins de uma produção especializada. Neste setor, os agentes econômicos operam em arranjos de associações ou cooperativas, porém com uma visão empresarial. Apresentam compromissos com a sustentabilidade socioambiental e com o fomento de negócios inovadores (startups).
Estes agentes demonstram ainda preocupação com questões ambientais já que o aumento da produção traz consigo a problemática relacionada ao acúmulo de resíduos, em especial nos processos de produção não baseados nos princípios da economia circular. Em termos de estrutura de mercado, pode-se considerar que uma das principais características é o de mercados imperfeitos e assimetrias de informação. Questões como previsão de safra, volumes de produção e formação de preço acontecem de maneira informal. As relações pessoais ainda são estruturantes na conformação da rede do conhecimento produtivo.
Quanto à Bioeconomia de Commodities, esta deve ser tratada em duas vertentes: a do agronegócio e a da biotecnologia. Ao tratar deste setor, considera-se que o uso dos recursos dentro da rede de conhecimento produtivo adota um foco mais industrial e empresarial, porém podendo estabelecer links com os produtores familiares à jusante da cadeia.
Este setor se caracteriza pelo uso intenso de recursos tecnológicos que permitam maximizar a produtividade e aproveitamento das matérias primas. Essa intensificação requer um alto grau técnico e de investimentos financeiro e de capital. Por se destinar a mercados consumidores exigentes e diferenciados com forte apelo ambiental, os negócios nesse setor costumam apresentar um cuidado especial com o ciclo de renovação das áreas degradadas, com a oferta produção mais direcionada e homogênea, agregando boas práticas de produção e oferecendo um melhor produto. Especificamente na vertente da Biotecnologia, são considerados os processos industriais que tem nos princípios ativos da biodiversidade sua base. Nesta vertente, pode-se pensar em bio insumos, bioplásticos, insumos farmacêuticos e outros insumos importantes para processos industriais inovadores.
Além disso, considera-se importante também inserir nesta categoria a bioinformática, onde o setor da economia digital tem na sua base o desenvolvimento de produtos tecnológicos que atendam demandas relacionadas a pesquisa e uso da sociobiodiversidade amazônica. Um bom exemplo de produto da sociobiodiversidade amazônica que é insumo nas redes de conhecimento produtivo e encontra-se nos três setores da Bioeconomia é o açaí. Especialmente devido a elevada demanda que ganhou ao chegar nos mercados do sudeste e sul do Brasil, o açaí saiu de uma escala majoritariamente tradicional e extrativista, e via processos bioeconômicos, ascendeu para uma Bioeconomia Florestal e, em determinados locais, tornou-se uma Bioeconomia de Commodities, conquistando inclusive mercados internacionais.
Entretanto, mesmo com o sucesso do açaí transitando entre setores, novamente deve-se enfatizar a necessidade desta análise ser realizada conforme as localidades que compõem as redes de conhecimento produtivo nos territórios. Isso é outro ponto a destacar pois, tomando novamente o exemplo do açaí, na maioria dos locais em que ocorre, esta cadeia se mantém como uma Bioeconomia Tradicional, dependendo majoritariamente da atividade extrativista.
Este é o caso dos diversos municípios do Acre onde a produção e o beneficiamento são obtidos com baixa aplicação tecnológica e agregação de valor no produto final. O setor da Bioeconomia Florestal, com nuances de Bioeconomia de Commodities. Partindo-se de uma visão macroeconômica e analisando-se a Bioeconomia como uma atividade integrante da agenda econômica de um Estado.
A Amazônia, com sua vasta biodiversidade e recursos naturais, representa um potencial significativo para a implementação de uma bioeconomia sustentável. Este conceito envolve a utilização de recursos biológicos renováveis para a produção de alimentos, energia e produtos industriais, de maneira a minimizar o impacto ambiental e promover o desenvolvimento socioeconômico.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A bioeconomia sustentável na Amazônia e no Acre pode ser desenvolvida através de diversas iniciativas, como a exploração responsável de produtos florestais não madeireiros, como açaí, castanha-do-pará e óleos essenciais, que proporcionam rendimento econômico sem a necessidade de desmatamento. Além disso, a biotecnologia pode ser aplicada para agregar valor a esses produtos, desenvolvendo novos produtos farmacêuticos, cosméticos e alimentícios.
Outro aspecto crucial é a implementação de políticas públicas que incentivem a conservação ambiental e o uso sustentável dos recursos naturais.
A educação e capacitação das comunidades locais são fundamentais para assegurar que elas se beneficiem diretamente dessas atividades econômicas, garantindo sua sustentabilidade a longo prazo.
O desenvolvimento de cadeias produtivas sustentáveis e a certificação de produtos da Amazônia e no Acre são estratégias importantes para conquistar mercados internacionais, que estão cada vez mais exigentes em relação à sustentabilidade dos produtos que consomem.
A bioeconomia sustentável na Amazônia e no Acre não só é uma solução viável para a conservação do meio ambiente, mas também uma oportunidade para o desenvolvimento econômico e social da região.
A integração de conhecimento tradicional com inovação tecnológica pode transformar a Amazônia e o Acre em um modelo global de desenvolvimento sustentável e ecologicamente correto.
Francisco Generozzo da Silva é advogado, professor em diversas áreas, doutor em Direito Internacional e mestre em Química, com experiência em pesquisa e síntese do Carbono em Orgânica e em Políticas Públicas.
Francisco Naildo Cardoso Leitão é pesquisador, cientista de dados em saúde, administrador, mestre e doutor em ciências da saúde e pós-doutor em Epidemiologia, com experiência em projetos de pesquisas, políticas públicas de saúde e orientador permanente em programas stricto sensu.